A recomposição do ambiente selvagem pelo homem
Ao longo de centenas de anos, a humanidade explorou e esgotou os ambientes naturais, destruindo a vida e as paisagens selvagens [1][2]. Agora, temos o dever e a capacidade de reverter este quadro para reestabelecer e recriar os ambientes selvagens e as paisagens naturais para nosso bem e o de todas as demais formas de vida que habitam o planeta.
Paisagem natural é aquela que apresenta apenas elementos naturais (árvores, plantas, florestas, vales, pedras, montanhas, rios, riachos, lagos, cachoeiras, animais, etc.) e que não sofreu a interferência humana (ação antrópica).
A paisagem natural é o produto de fatores abióticos como clima, geologia do solo, relevo, água e dos fatores bióticos, os seres vivos (flora e fauna), que atuam sobre os primeiros.
Em contraste, a paisagem criada por seres humanos, que inclui elementos artificiais como construções e jardins, é chamada de paisagem cultural ou humanizada.
O paisagismo natural é aquele que procura reconstruir e reproduzir a paisagem natural, anterior à interferência humana, a partir de elementos naturais.
A paisagem e os sentidos
As paisagens são os espaços que podemos perceber por meio de nossos sentidos, visão, audição, olfato e tato, sendo os elementos visuais, entretanto, os preponderantes.
Nossa visão é um sentido complexo que reconstrói em nosso cérebro o mundo à sua volta. A visão cria uma sequência de planos, variando do próximo ao distante, que vão perdendo a nitidez à medida que se afastam. A visão apreende com mais clareza o que está em primeiro plano e com menos definição, aquilo que está no segundo e terceiro planos [3].
Nossa visão é curiosa e a nossa atenção é atraída por detalhes. Assim, quando olhamos para uma área recoberta por vegetação, nossos olhos tendem a ver a forma dos troncos, o contorno das copas, as cores e formas das flores, a textura das cascas das árvores, o brilho e a forma das folhas.
Mas também tendemos a apreciar o quadro geral, os grandes espaços e a composição da paisagem, o que nos dá o senso de beleza natural, harmonia, que nos inspira e nos faz relaxar.
Quando estamos desenvolvendo um projeto de reflorestamento com fins ecológicos, além da reintrodução de espécies nativas, próximas à sua composição florística original, devemos também buscar a recomposição da paisagem e da estética natural.
Dentro deste objetivo, devemos procurar criar um ambiente de beleza e harmonia, que atraia as pessoas e seja agradável aos olhos, mas também aos outros sentidos.
Recomposição da paisagem natural
Ao planejarmos a recriação da paisagem natural, é necessário considerar a importância de estabelecer um ambiente propício, não somente para humanos, mas também para todas as demais formas de vida, que permita o desenvolvimento e a regeneração da biodiversidade.
Embora não existam regras definidas, uma forma de abordar o tema é buscando mimetizar a natureza, mesclando elementos de composição estética e paisagística já utilizadas em outras áreas do paisagismo. Quanto mais formos capazes de observar de forma profunda a natureza e seus processos, melhor será o resultado de nossa intervenção.
Seguem abaixo algumas orientações que podem ajudar em um projeto de paisagismo natural para o reflorestamento com fins ecológicos.
a) Observe a natureza
A natureza é a nossa grande professora quando estamos desenvolvendo projetos de paisagismo natural. Procure passear pelas redondezas, principalmente em espaços onde a natureza está mais bem conservada e observe atentamente a natureza. Observe as formas, as cores, a distribuição dos elementos e a sensação que estes despertam em você. Observe o todo e os detalhes. Faça notas do que você está observando. Tente ver além do que os olhos enxergam.
b) A natureza não possui linhas retas
Quando observamos a natureza, vemos que não existem linhas retas, mas sempre curvas e contornos sinuosos. Assim em nosso projeto de reflorestamento, os caminhos e contornos devem, sempre que possível, também ser em curvas e sinuosos. Isso recria espaços agradáveis à vista humana.
c) A natureza gosta de variedade
As paisagens naturais, excetuando os desertos e as regiões dos polos, são pródigas em diferentes formas, alturas, cores, texturas, cheiros, variações de luz e sombra. Além disso, quanto maior a biodiversidade, mais resilientes são os ecossistemas. Assim, os projetos de reflorestamento com fins ecológicos devem privilegiar a variedade. As monoculturas de árvores nos plantios industriais, por exemplo de pinus e eucaliptos, são desertos do ponto de vista de biodiversidade e apresentam quase ou nenhum alimento para a fauna.
d) Explore a riqueza de estímulos sensoriais
A paisagem é uma composição para todos os sentidos. Busque introduzir elementos de forneçam uma riqueza de estímulos sensoriais, como diferentes cores, cheiros, sons, temperaturas, texturas, luminosidades, umidades, etc. Explore os contrastes.
Nada mais lindo do que ver uma conjunto de flores roxas da quaresmeira saindo dentre o verde da copas de uma floresta, ou o agradável som do vento batendo na copas das árvores, o murmurar de um pequeno córrego, o amarelo e o rosa dos ipês em floração, as formas dos frutos de jatobá ou araribá, o zumbido de pequenas abelhas, o canto de um sanhaço, o cheiro do manacá ou das folhas no chão da floresta, um raio de sol entrando em uma clareira de uma floresta sombria, ou o ar frio à beira de uma cachoeira.
e) Crie espaços para circulação de pessoas a animais
Crie espaços de circulação para pessoas e animais (eles também gostam de andar por caminhos abertos). Crie picadas e passagens por entre a floresta, em curvas suaves, para que as pessoas possam passear e desfrutar da paisagem. Conduza as pessoas para locais especiais, como cursos d’água, uma grande árvore, pedras ou locais com vistas interessantes.
f) Crie caminhos com largura variável
Da mesma forma como os caminhos e picadas devem ser em linhas sinuosas, eles também devem possuir largura variável, o que os torna mais naturais.
g) Crie clareiras
É importante criar a alternância entre espaços preenchidos e vazios. Para isso, crie clareiras no meio do caminho, para que as pessoas possam alternar entre a sombra e o luminoso, o espaço fechado e o aberto. As clareiras criam áreas para o crescimento de espécies pioneiras, frutíferas e plantas rasteiras. Muito pássaros são também avistados na borda da mata e nas clareiras. Crie bancos para que as pessoas possam sentar-se, relaxar e apreciar a natureza. Crie recantos para que as pessoas possam desfrutar do silêncio e do momento presente. A borda das clareiras e dos caminhos pode ser preenchida com plantas rasteiras, como trapoeraba-azul e outras plantas com folhas de cores.
h) Crie surpresas
Ao longo do caminho, procure criar surpresas, como uma bela vista após uma curva, ou a chegada a uma árvore muito grande ou cheia de flores, um paredão de pedras com bromélias, um barranco cheio de samambaias. Seres humanos gostam de ser surpreendidos com locais bonitos. Pequenas pontes podem acrescentar também uma beleza adicional.
i) Crie fundos infinitos com planos crescentes
Como vimos anteriormente, a nossa visão cria planos, próximo, intermediário e distante. Nos planos mais próximos ao observador, coloque plantas e arbustos mais baixos, aumentando o porte das árvores à medida que se afastam do observador. Isso cria uma agradável sensação de fundos infinitos. No último plano, utilize árvores com alturas diferentes para obter uma silhueta das copas irregular, tal como ocorre na natureza.
j) Plante em curvas de nível
Plante em curvas de nível, pois além de proteger o terreno contra a erosão, você está também plantando em curvas, o que é mais agradável para a vista, e criando planos diferentes para a visão. Os caminhos e picadas devem passar suavemente de uma curva de nível à outra.
k) Explore os cursos d’água
Procure criar caminhos ao longo, ou que atravessem os cursos d’água, lagos e pequenas barragens. A água é um elemento paisagístico explorado por diversas culturas, tradicionais e modernas, que gera uma sensação de relaxamento, alegria e frescor. Além disso, água sempre atrai diversos animais, e assim os cursos d’água se tornam também um local muito bom para a observações de animais.
l) Plante com espaçamento irregular entre as árvores
Plante as árvores em espaçamentos irregulares, e não em linha reta e espaçamento fixos como nas florestas industriais. Ao observar as florestas naturais, você pode ver que as grandes árvores estão distribuídas em espaçamentos irregulares e entre elas existem outras árvores em diversos tamanhos, crescendo e aproveitando a luz solar ao máximo.
m) Plante agrupamentos de árvores
Variar a densidade de árvores pode ser também uma forma de criar um efeito paisagístico interessante. Assim, se você criar agrupamentos de árvores mais densos, no meio áreas mais esparsas, isso cria um efeito visual agradável.
n) Utilize aleias e túneis
Algumas composições como aleias e túneis podem criar um efeito interessante. Aleias são caminhos ladeados por árvores. Algumas espécies como o pau-mulato ou as palmeiras dão um efeito visual muito bonito. Os túneis podem ser criados com touceiras de bambus plantados dos dois lados dos caminhos.
Observando a natureza e seguindo estas orientações simples é possível conduzir um reflorestamento que permita a recomposição da paisagem e da beleza natural contribuindo, desta forma, para a melhoria da qualidade de todas as formas de vida ao nosso entorno.
A importância manutenção dados espaços selvagens e da biodiversidade
Vivemos em um planeta repleto de relações de interdependência e de interconexões, vitais para nossa sobrevivência.
Os últimos 100 anos foram marcados um acelerado processo de extinção em massa de espécies, provocado pela ação do homem. A extinção de espécies é um processo irreversível. Quando todas as espécies se forem nós também iremos, como espécie e humanidade.
Seja por questões éticas, ou apenas pelo desejo egoísta e o instinto de sobrevivência, a recuperação de espaços selvagens e de sua biodiversidade é hoje uma demanda urgente, como forma de reduzirmos os impactos da crise climática em curso e, assim, aumentarmos as chances de sobrevivência de nossa espécie. O planeta não necessita de nós, ao contrário, viverá muito melhor se nós não estivermos aqui. Todos os demais seres sobre a Terra possuem os mesmos direitos à vida que nós [6].
O entendimento da interconexão e interdependência (presente e futura) permite o desenvolvimento de uma visão mais clara e abrangente de nosso papel neste mundo e nossa responsabilidade para com a demais espécies de vida com as quais partilhamos esse planeta.
Temos essa responsabilidade com as futuras gerações, humanas, e de todas as espécies de vida que existem sobre a Terra.
FONTES E REFERÊNCIAS
Artigos
[1] Da Exploração à Simbiose. Rizzo, Victor
Livros
[2] A Prática da Natureza Selvagem. Snyder, Gary
[3] Criando Paisagens: guia de trabalho em arquitetura paisagística. Abbud, Bendito
[4] Domínios de Natureza no Brasil: Potencialidades Paisagísticas. Ab'Saber, Aziz
[5] Ecologia Profunda
[6] Em defesa dos animais : direito à vida. Matthieu Ricard
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