A evolução necessária para um novo paradigma de relação com a Natureza
Durante milhares de anos, em particular no mundo ocidental, a economia baseou-se na “exploração dos recursos naturais”.
Ao longo de milênios, a humanidade acreditou na falsa premissa de que os recursos naturais, em face de sua abundância, eram inesgotáveis. Assim, podiam ser explorados e consumidos sem limites. Muitas civilizações do passado, entretanto, já pereceram pelo esgotamento dos recursos naturais à sua volta.
Mais recentemente, esta lógica tem esbarrado na realidade de que os recursos naturais (florestas, água doce, vida marinha, minerais, etc.) são finitos, e que existem limites para o crescimento humano [1]. Agora, a própria existência da humanidade encontra-se ameaçada em face de nosso comportamento inconsequente e predatório sobre a Terra.
Parte desta visão equivocada baseia-se na falsa lógica de que nós humanos, somos seres “inteligentes”, “racionais”, “criados à imagem e semelhança de Deus” e, portanto, acima dos demais seres da natureza. Tal premissa, supostamente, nos dá o direito de vida e morte sobre todas as demais espécies do planeta. Assim, humanos arrogaram-se uma “licença para matar”, o que tem levado à destruição de habitats selvagens, à drástica redução de biodiversidade e à extinção de inúmeras espécies.
Mas um outro paradigma, o da simbiose, pode levar a humanidade e toda a biosfera a um novo patamar de homeostase e equilíbrio, que garanta sua sustentabilidade e sobrevivência a longo prazo para todos.
A Exploração - aprendendo com o passado
A exploração de recursos naturais foi o modelo básico de quase todas as civilizações. A história de diversos países é contada através de ciclos de exploração, como ciclo do ouro, especiarias, madeira, borracha, etc.
Entretanto, ao olharmos um pouco mais atentamente para a história, vamos ver diversas civilizações antes da nossa, que desapareceram exatamente pelo fato de terem esgotado os recursos naturais à sua volta, em especial as florestas.
Mesmo civilizações relativamente sofisticadas em seu tempo, entraram em colapso ou declínio provocado pelo desmatamento das florestas em seu entorno. Entre os exemplos, podemos citar os polinésios da Ilha da Páscoa, os minóicos de Creta, os assírios e sumérios da Mesopotâmia (hoje Iraque), Sicília, gregos de Atenas, os micênicos do Peloponeso (Grécia), fenícios do Líbano. Mesmo os romanos, com todo seu poder, entraram também em declínio após o esgotamento dos seus recursos naturais, principalmente suas florestas [2][3][4].
Regiões como Itália, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, também devastaram suas florestas muito cedo. Em consequência disso, experimentaram a redução de algumas atividades econômicas que dependiam da madeira como a fundição, cerâmica, construção civil e naval, etc. Algumas dessas atividades somente ganharam um novo impulso com o uso de carvão mineral durante a Revolução Industrial. Depois de devastarem seus próprios países, levaram também a devastação para o Novo Mundo.
O alvo mais frequente da devastação eram as florestas para o uso madeira, dado o seu emprego em quase todas as atividades humanas.
A lista de produtos obtidos da madeira de florestas e bosques era extensa, como explica John Perin, em seu brilhante livro “História das Florestas” [3]. Segundo o autor, a madeira possui lugar central na evolução das civilizações e das atividades humanas.
A madeira foi utilizada como combustível para a transformação de alimentos, permitindo o homem se alimentar de cereais e tubérculos, bem como aquecer suas casas, mesmo em climas adversos. Na construção, a madeira era essencial para produção de tijolos e era usada desde os alicerces, estrutura e telhado das casas, cal, cimento, cumeeira, até as telhas de barro cozido.
Os ofícios de produção de cerâmica, vidro, fundição de metais como cobre, zinco, ferro, ouro e prata, produção papel, sal, panificação, curtição de couro, produção de tinta, sabão, cestaria, etc., todos eles, dependiam da madeira. O transporte seria praticamente impensável sem a madeira, utilizada na produção de selas, carroças, carruagens, pequenas embarcações, navios de comércio e de guerra.
A agricultura não poderia se desenvolver sem a madeira para o arado, as ferramentas, os arreios de tração, o paiol para a armazenagem de produtos. Florestas eram a fonte de resinas e piches para a calafetagem de navios e toneis de cerveja e vinho. As florestas também eram fontes de diversos alimentos e remédios essenciais para os seres humanos.
As guerras sempre foram os momentos de grande destruição de florestas para construção de navios de guerra, paliçadas para fortificações e carvão de lenha para fundição de armas. O acesso a florestas e suas madeiras sempre representou poder militar e econômico.
A grande utilidade das florestas para os homens também foi o motivo de sua desgraça.
Mas desmatamento em larga escala também sempre trouxe problemas ambientais. Em todos os países a sequência se repetia. Desmatamento expunha o solo. O solo exposto à chuva, sofria erosão, que esgotava a fertilidade do solo. A água da chuva que não se infiltrava, descia em enxurradas de lama. A redução da fertilidade causava a diminuição progressiva das colheitas até o ponto em que a agricultura não era mais capaz de sustentar as populações, gerando a fome. A fome ocasionava migrações, revoltas e guerras, que apenas aumentavam a miséria e a degradação ambiental. No limite, a mão do homem gerava a desertificação.
Muitos destes lugares como na região do Mediterrâneo, hoje áridos e desérticos, eram no passado, antes da ação do homem, recobertos por extensas e densa florestas, com árvores de até 50 metros de altura, como cedros, ciprestes, pinheiros, tuias, abetos, faias. O estado atual destas paisagens, agreste e árido, não é o seu estado natural. Foi o fruto da ação predatória de humanos.
Junto com a devastação das florestas foi também a sua biodiversidade, sendo animais caçados até praticamente a sua extinção, principalmente na Europa e Estados Unidos. Lobos, raposas, ursos, leões (na Europa), cervos, corsas, bisões, alces, javalis, coelhos, castores, aves de todos os tipos, foram caçados implacavelmente. O excesso de pesca em rios e lagoas, levou ao seu esgotamento na Europa já no século 16.
Assim, ao longo da história da humanidade, o conceito de “exploração de recursos naturais” sempre esteve associado à devastação, esgotamento, extinção, extermínio, eliminação, aniquilação, baseada na supremacia humana sobre as outras espécies.
O declínio e desaparecimento de diversas civilizações do passado, em virtude da superexploração e esgotamento de recursos naturais serve de advertência contundente para nossa sociedade moderna, que vai pelo mesmo caminho, só que desta vez em escala global [6].
A Simbiose - um outro paradigma possível
Entretanto, outras sociedades tradicionais ou indígenas, “incivilizadas”, na Ásia, Oceania, América do Norte e América do Sul, conseguiram criar um modo de vida sustentável, por desenvolverem um padrão de convivência em simbiose com a natureza.
A visão de coexistência em equilíbrio com o meio ambiente, garantiu a sobrevivência destas sociedades por longo tempo, aliada à manutenção do meio-ambiente. Isso demonstrou ser possível um modo de vida alternativo ao padrão civilizatório predominante.
Ao entrar em homeostase com seu meio-ambiente, não consumindo mais recursos ou energia do que os ambientes pudessem fornecer, sociedades tradicionais conseguiram manter sua subsistência sem quebrar os ciclos hidrológicos, reduzir a fertilidade dos solos, mantendo as suas florestas e a biodiversidade por inúmeras gerações.
Essas culturas perceberam que a sua existência dependia da existência das outras espécies, ou melhor, compreenderam a interdependência de todas as espécies. Perceberam que viviam em simbiose com as demais espécies e que deveriam contribuir para este equilíbrio e evolução conjunta.
Entendendo a simbiose
A simbiose é um termo da biologia, que vem do grego sim – juntos e biosis – vivendo, ou seja, “vivendo juntos” [7]. Em uma definição mais restrita, a simbiose mutualista, pode ser definida como qualquer associação ou interação a longo prazo entre dois ou mais organismos de espécies diferentes, sendo essa associação evolutivamente benéfica, para os organismos envolvidos.
Este tipo de interação, muito comum e disseminada na natureza, pressupõe uma forma de cooperação de longo prazo entre organismos que pode levar a uma coevolução das espécies envolvidas.
Exemplos comuns são os casos de muitos animais (inclusive humanos) que, para auxiliar na digestão de alguns alimentos, desenvolveram um rico microbioma de bactérias em seu trato digestivo, que os ajudam no processo de digestão e absorção de nutrientes. Estes microrganismos também ajudam a manter a imunidade de seus hospedeiros, o que aumenta suas próprias chances de sobrevivência.
Outro caso muito abundante na natureza é o da maioria das plantas que necessitam de fungos (micorrizas) que colonizam suas raízes e assim permitem a melhor absorção de nutrientes e água dos solos para a planta. Os fungos, em troca, são alimentados com carboidratos fornecidos pelas raízes das plantas, obtidos na fotossíntese.
A maioria das plantas de flores dependem de pássaros, animais e insetos para sua polinização, dispersão de sementes e perpetuação da espécie. Os animais e insetos, por sua vez, encontram nas flores e frutos destas espécies o seu alimento. Assim estabelece-se uma interdependência entre diversas espécies que favorece a manutenção da vida de cada uma delas e sua evolução conjunta. Eliminar uma das espécies implica em condenar também a outra.
Em muitos casos, a simbiose acrescenta aos parceiros capacidades que eles não possuem isoladamente, como a possibilidade de sobrevivência em habitats severos.
Todos estes casos apontam para interdependência das espécies. Em um senso mais amplo, a vida no nosso planeta, depende da interdependência de todas as espécies da biosfera para seu equilíbrio. Este equilibro representa vida e abundância para todos, mas depende da manutenção de cada uma das espécies. Quanto maior a diversidade, maior a estabilidade, resiliência e abundância de um ecossistema.
A fim de desenvolver uma relação simbiótica com a Natureza, humanos devem deixar de se colocar no alto da pirâmide de predadores e cooperar com a Natureza de forma a fazer parte de ciclos naturais de reaproveitamento de matéria e energia, ou ainda, na evolução das demais espécies.
A história da agricultura nos oferece alguns bons exemplos de simbiose entre o homem e o meio ambiente. Quando os humanos, há cerca de 10.000 anos atrás, deixaram de ser caçadores e coletores nômades e começaram a desenvolver a agricultura, iniciaram o melhoramento de diversas espécies vegetais, tornando-as cada vez mais produtivas, nutritivas e palatáveis. Assim, enquanto mãos humanas semeavam, cultivavam, irrigavam, protegiam as plantas de pragas e doenças, promovendo sua evolução, as plantas forneciam o alimento necessário para manutenção das famílias e sociedades. Este processo deliberado realizado pela mão humana, representou uma coevolução das espécies vegetais e humana.
Atualmente alguns dos melhores exemplos de simbiose humanos/meio-ambiente ocorrem nas práticas de agroflorestas, ou sistemas agroflorestais, no qual o homem estabelece o consórcio entre espécies de interesse econômico e espécies florestais, cooperando com as demais espécies para aumentar a biodiversidade e a abundância. Um dos diversos modelos de sistemas agroflorestais que privilegia esta cooperação é a Agricultura Sintrópica.
A transição necessária da exploração para a simbiose
Estamos vivendo um tempo de acelerada destruição de habitats naturais, extinção de espécies e redução da biodiversidade [8]. Os números são alarmantes para qualquer lado que olhamos!
Entretanto, a Natureza não depende de nós, mas ao contrário, estaria muito melhor sem a humanidade. Nós é que necessitamos desesperadamente da Natureza para sobrevivermos como espécie!
O que a humanidade necessita urgentemente entender é que a sua existência depende fundamentalmente da manutenção de toda a biodiversidade do planeta, sem o que seguiremos o mesmo caminho das civilizações e culturas que desapareçam no passado, por esgotarem os recursos naturais à sua volta. Um quinto dos países em todo o mundo está em risco de colapso de seus ecossistemas devido ao declínio da biodiversidade e dos serviços ambientais associados [9]. Já está ocorrendo agora! É matemático, histórico, científico! Causa e efeito!
Está na hora de começarmos a nos perguntar também, que direito o ser humano possui de dominar, matar e extinguir as demais formas de vida, sejam elas domesticadas ou selvagens?
Necessitamos sair do paradigma da exploração de recursos naturais e evoluir para o estado de simbiose mutualista com toda biosfera, que garanta a perpetuação de todas as espécies e, em decorrência disso, também da nossa espécie. Necessitamos urgentemente investir na regeneração biomas naturais e sua biodiversidade.
Quem sabe, assim, poderemos falar um dia de desenvolvimento simbiótico, sociedade simbiótica, economia simbiótica! Eu gostaria de estar vivo quando isso acontecesse.
FONTES
[1] Limites do Crescimento – D. Meadows, D. Meadows, J.Randers, W. Behrens - 1972
[2] Environmental Problems of the Greeks and Romans: Ecology in the Ancient Mediterranean - 2nd edition - J. Donald Hughes - 1994 / 2014
[3] História das Florestas – John Perlin – 1989
[4] Uma História Verde do Mundo - Clive Ponting – 1995
[5] History of the forest in Central Europe – Wikipedia acessado em https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_the_forest_in_Central_Europe
[6] Earth Overshoot Day acessado em
[7] Symbiosis – Wikipedia acessado em
[8] David Attenburogh e Nosso Planeta (filme) – 2020
[9] A fifth of countries worldwide at risk from ecosystem collapse as biodiversity declines - SwissRe acessado em
* Créditos das imagens:
Principal: Logging Bee in Muskoka, May 1, 1880, Artist Weston, James L., ca. 1815-1896, Library and Archive of Canada
Eco/Eco: autor desconhecido
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