como as árvores podem nos ajudar?
Ao longo de sua evolução, a humanidade sempre se utilizou das árvores e as florestas para garantir sua sobrevivência, seja para a obtenção de alimentos, abrigo ou energia. Neste momento que a crise climática ameaça a humanidade as árvores podem novamente ser uma grande aliada, para reduzir os efeitos das alterações climáticas.
Vimos anteriormente que a crise climática é um fenômeno originado pela industrialização nos últimos 200 anos da humanidade, sendo causada essencialmente pelo aumento da concentração de CO2 e outros gases do efeito estufa, na atmosfera. Esse aumento de CO2 ocorreu principalmente pelo uso intensivo de combustíveis fósseis, com o consequente aumento da temperatura global. Por sua vez, o aquecimento global é a causa principal de diversas alterações climáticas adversas, como aumento do nível dos mares, aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, secas e enchentes, acidificação dos oceanos, etc. Estas alterações climáticas por sua vez, geram inúmeros impactos sobre a humanidade, como escassez de água, fome, como redução da produção de alimentos, desertificação, prejuízos econômicos diversos, migrações, aumento de problemas de saúde humana, etc.
Mas estes problemas não foram apenas ocasionados pelo aumento de gases do efeito estufa na atmosfera, mas também pela degradação ambiental causada pelo homem, principalmente pelo desmatamento, que reduziu a capacidade natural dos ecossistemas de sequestrar carbono da atmosfera e armazena-lo na matéria orgânica (biomassa). Assim, se por um lado a humanidade aumentou suas emissões de carbono, por outro lado ela reduziu a capacidade da natureza de retirar o carbono da atmosfera. Esse balanço entre emissão / sequestro de carbono, foi ficando cada vez mais negativo, a ponto de aumentarmos significativamente a concentração de carbono na atmosfera. Ou seja, hoje emitimos mais dióxido de carbono (CO2) do que a natureza pode sequestrar, daí o aumento da concentração do CO2 na atmosfera.
Desta forma, a humanidade criou um ciclo vicioso, onde ela é a causa das alterações climáticas, como também sofre grandes impactos pelos desequilíbrios que causou, como apresentado na Figura 1.
Figura 1: Ciclo da Crise Climática
Fonte: Arvores pelo Clima
Para resolvermos o problema da crise climática temos, não somente que reduzir e emissão dos gases do efeito estufa, mas por outro lado, aumentar a capacidade natural de sequestrar carbono, para reduzir a sua concentração na atmosfera. É aí que entram as arvores!
Vamos agora entender melhor a relação da humanidade com as árvores e que forma elas poderão nos ajudar a reduzir os efeitos da crise climática.
O gênero Homo, surgiu na África há cerca de 2,5 milhões de anos. O ser humano moderno surgiu há cerca de 200.000 anos. Ao longo desta história, a humanidade evoluiu em estreita relação de dependência das florestas, sempre generosas em fornecer, abrigo, alimento e energia.
Se considerarmos que a urbanização da humanidade passou a ocorrer apenas após a primeira Revolução Industrial, a partir de 1800, percebemos que a humanidade viveu apenas 0,1% de sua história em ambientes urbanos e os restantes 99,9% em estreita interação e conexão com os ambientes naturais. No curso da nossa evolução, até chegarmos a nossa civilização moderna, dependemos totalmente de recursos naturais e, em grande parte, das árvores.
De onde vem a matéria das árvores?
Por mais de 2000 anos as pessoas acreditavam que as plantas cresciam “comendo” o solo. Intrigado como as plantas realmente cresciam e de onde tiravam sua massa, em 1634 um cientista e médico da Bélgica, Jan Baptist van Helmont (1577-1644) fez uma experiência simples. Ele plantou uma muda de salgueiro em um vaso, pesando a muda, bem como a terra seca do vaso, antes do plantio. Durante 5 anos ele regou a árvore com água da chuva ou água destilada, sem acrescentar qualquer adubo ou terra nova. Passados 5 anos, ele pesou novamente o salgueiro e a terra seca do vaso. Para sua surpresa ele verificou que o salgueiro teve um aumento de peso (massa) de 74,4 kg, enquanto que o terra no qual foi cultivado, teve uma redução de apenas 57 gramas em seu peso! Ou seja, do total de aumento de peso (massa) do salgueiro, menos de 0,1% foi de matéria retirada do solo. Incrível, não é?
A partir desta e outras experiências os cientistas, ao longo de 300 anos, descobriram que a principal fonte de matéria dos vegetais não está nos minerais do solo, mas principalmente do ar e da água. Eles deram a este processo o nome de fotossíntese, que significa a realização de síntese (criação) de matéria orgânica através da luz – foto (energia luminosa do sol).
Estes minerais que a planta retira do solo, entretanto, são essenciais para o seu metabolismo, sem o que ela não consegue crescer e se reproduzir.
Com as árvores sequestram carbono da atmosfera?
A fotossíntese é o processo natural, através do qual plantas, algas e algumas bactérias transformam energia luminosa do sol em energia química, necessária para seus processos vitais. Neste processo, elas retiram CO2 da atmosfera o fixam na matéria orgânica (biomassa). Esse processo de retirar carbono da atmosfera e fixa-lo na biomassa, realizado por alguns seres vivos, também é chamado de sequestro de carbono.
De forma bem simples, a fotossíntese é o processo através do qual os vegetais, na presença de água e energia, retiram CO2 da atmosfera e o transformam em glicose (açúcar) que é utilizada para o seu metabolismo, liberando oxigênio para a atmosfera. Esse processo se dá, devido presença de clorofila nas plantas.
A equação abaixo apresenta este processo.
Fotossíntese: CO2 + Água + Energia => Açúcar + Oxigênio
Esta glicose (C6H12O6) que é produzida no processo da fotossíntese é utilizada, em parte para a manutenção dos vegetais e outra parte é transformada em celulose, que cria a estrutura dos vegetais. A glicose excedente destes dois processos é armazenada, na forma de sacarose (açúcar) e amido, que são as reservas energéticas dos vegetais.
O diagrama abaixo ajuda a entender este mecanismo.
Figura 2: diagrama da fotossíntese e seus produtos
Fonte: Árvores pelo Clima
A fotossíntese é o principal processo responsável pela vida sobre a Terra, pois foi através dela que o oxigênio se formou e é mantido na atmosfera. É através da fotossíntese também que as plantas sintetizam, a partir e substâncias inorgânicas (água, CO2, minerais), os compostos orgânicos (açúcares, amidos, vitaminas, proteínas, fibras, óleos, etc), utilizados como alimentos por outros seres vivos, como homens, animais, insetos, etc.
Como as árvores são os maiores vegetais e também os maiores seres vivos do planeta, elas naturalmente também são aquelas que conseguem sequestrar a maior quantidade de carbono.
Desta maneira, os vegetais e em especial, as árvores, acumulam CO2, em seu lenho em grande quantidade. A madeira da árvore, quando cortada e utilizada para fins de móveis e construções, mantém o carbono em sua estrutura, por centenas de anos, até a sua decomposição.
Mas a madeira não é a única forma de estocar o carbono que as árvores sequestraram da atmosfera. Além de sequestrar e armazenar carbono da atmosfera, as árvores também transferem parte deste carbono para o solo. Na verdade, existem quatro principais formas da árvore estocar o carbono da atmosfera e transferir parte deste carbono para o solo:
- biomassa área - troncos, galhos, cascas e folhas da parte aérea (celulose - C6H10O5)
- biomassa subterrânea - raízes
- biomassa da serapilheira - folhas e galhos mortos que caem de árvores e arbustos
- fixação de carbono no solo via simbiose das raízes da árvore com fungos do solo (micorrizas)
Vamos tentar entender um pouco melhor estas formas de estocagem e transferência de carbono atmosférico para a biomassa e o solo.
As raízes estocam carbono
Além daquilo que você consegue ver na árvore, sua parte área com folhas, galhos e troncos, existe o sistema subterrâneo de raízes e radicelas, que possui uma massa aproximadamente igual a 30% da parte aérea das arvores, dependendo da espécie. Esse sistema radicular, naturalmente também armazena carbono.
Mas o processo de sequestro de carbono nas árvores e vegetais vai além disso.
A serapilheira como estoque de carbono
Folhas, galhos e troncos, ao morrem e caírem sobre o solo, vão formando uma camada de matéria orgânica em decomposição, chamada de serapilheira (litter, em inglês). Parte do carbono da serapilheira em decomposição retorna à atmosfera e outra parte transforma-se em húmus e acaba sendo estocada no solo, através da ação de fungos, minhocas e outros insetos. O estoque de carbono na serapilheira, varia entre 1% a 2% do total de carbono no ambiente. Mas o volume carbono que com tempo é incorporado ao solo através deste processo é bem maior.
Mas está não é a principal forma do carbono chegar ao solo. Existe ainda uma via mais eficiente de estocar o carbono da fotossíntese no solo. A associação de fungos e raízes.
Fungos ajudam a armazenar carbono no solo
As árvores estabelecem uma associação simbiótica, chamada de micorriza, com vários tipos de fungos. Através desta simbiose as hifas (filamentos) de fungos, se conectam com as células das raízes, auxiliando-as na absorção de água e sais minerais do solo (principalmente fósforo e nitrogênio). Isso é possível, pois os fungos agem como extensão do sistema radicular, também chamada de rizosfera, aumentando significativamente a sua superfície de absorção. Assim a planta pode, não somente crescer mais rapidamente, mas também tornar-se mais resistentes às secas e doenças, e adaptar-se melhor à diversos tipos de ambientes.
Em troca de seus serviços, os fungos recebem carboidratos, glicose e sacarose, bem como aminoácidos, presente na seiva das árvores, essenciais para sua sobrevivência. Assim, a glicose formada nas folhas da copa da árvore, chega aos fungos nas raízes, e destes para o solo. Esse processo, ajuda a fixar carbono também no solo.
Pesquisas mais recentes, apontam para o fato de que estes fungos recebem cerca de 5% a 20% do total do carbono capturado pelas árvores e o transferem ao solo, e que está é a principal via de estocagem de carbono atmosférico no solo. Segundo a FAO, em todas as florestas, tropicais, temperadas e boreais juntas, aproximadamente 31% do carbono é armazenado na biomassa (aérea e subterrânea) e 69% no solo. Nas florestas tropicais, aproximadamente 50% do carbono é armazenado na biomassa e 50% no solo (cit. FAO) [1].
Plantio de árvores como forma de reduzir os impactos da crise climática
O plantio de novas florestas, a reabilitação de florestas degradadas e o enriquecimento de florestas existentes contribuem para mitigar as mudanças climáticas, através do sequestro de carbono na biomassa e no solo.
Desta forma, ao reestabelecermos as florestas, grandes quantidades de carbono podem ser sequestradas da atmosfera e fixadas no tronco das árvores e suas raízes, bem como no solo ao seu redor, permanecendo na biomassa por dezenas ou centenas de anos. Quanto maior a quantidade de árvores plantadas, maior será o sequestro de carbono.
Cada árvore, dependendo da espécie e do clima, consegue sequestrar entre 150kg a 200kg de carbono da atmosfera, ao longo de sua vida. Desta forma as árvores são a forma mais barata e eficiente de sequestrar carbono atmosférico.
Se, por exemplo, plantarmos árvores em um espaçamento de 3m x 3m, em um hectare (10.000 m2) podemos sequestrar cerca de 10 toneladas de carbono por ano, ou 200 toneladas de carbono ao longo de 20 anos.
Como já vimos anteriormente, a crise climática é causada pelo aumento da concentração de carbono na atmosfera, provocada pelo uso de combustíveis fósseis. Dessa forma o plantio de árvores e o sequestro de carbono gerado por essas, pode ajudar a reduzir os impactos da crise climática.
Na verdade, pesquisas científicas da ONG TNC (The Nature Conservancy) [2] apontam para o fato de que o reflorestamento é a forma natural mais eficiente e barata para sequestrar o carbono e, portanto, com o melhor potencial para ajudar a humanidade na estabilização do clima.
Outra extensa pesquisa, publicada no Projeto Drawdown [3], relaciona as 100 iniciativas mais poderosas para reduzir o impacto da crise climática. Entre as 15 iniciativas mais impactantes para redução de crise climática, 5 iniciativas (30%) estão diretamente relacionadas ao plantio e manutenção de árvores.
Uma pesquisa realizada por cientistas do Crowther Lab, da Universidade ETH em Zurich na Suíça, [4], publicado na revista Science, confirma que a restauração das florestas, em nível global, é a melhor solução para a crise climática disponível. Este estudo demonstrou que, excluídas as áreas de urbanas e agrícolas, utilizadas por humanos, existem atualmente no mundo cerca de 0,9 bilhões de hectares disponíveis para o plantio de árvores. Como base nisso o estudo calculou que o plantio de árvores nestas áreas pode sequestrar 205 bilhões de toneladas de carbono, o que corresponde a cerca de dois terços (66%) das 300 bilhões de toneladas de carbono liberados na atmosfera como resultado da atividade humana desde a Revolução Industrial.
Árvores são seres espetaculares que já fizeram muito pela humanidade ao longo de sua evolução, agora elas ainda podem nos ajudar a reverter os efeitos da crise climática.
Além disso, o plantio de árvores é a forma mais democrática de combater as alterações climáticas. Não importa sua idade, faixa de renda, sexo ou religião, todos podem plantar árvores já. É simples, divertido e de graça!
FONTES:
[1] http://www.fao.org/3/ac836e/AC836E03.htm
[2] https://www.pnas.org/content/114/44/11645
[3] https://www.drawdown.org/solutions-summary-by-rank
[4] https://www.goodnewsnetwork.org/how-many-trees-to-plant-to-stop-climate-crisis/